Por Harald Willenbrock
Ao final destas linhas, o leitor terá decidido se lerá, ou não, este texto. Mas com que critérios ele tomará essa decisão? Com o coração ou com a razão? Com a intuição ou depois de avaliar quanto tempo tem disponível? Seria um erro não ler a matéria? Uma nova descoberta dos pesquisadores prescreve: quanto mais há para pensar sobre um assunto menos deveríamos fazê-lo. Parece um paradoxo, mas decisões sábias muitas vezes são só isso
Para a tribo dos moro a situação não podia ser mais sombria. O pequeno povo de pastores do deserto do Sahel, na África, que desde tempos imemoráveis anda com seus rebanhos de aguada para aguada, e paralelamente cultiva um pouco de painço, estava morrendo de fome. Moscas tsé-tsé infeccionaram o gado com a fatal doença do sono; secas prolongadas devastaram as plantações e a mortandade de bebês era alta. E mesmo entre aqueles que conseguiam chegar à idade adulta, poucos passavam dos 50 anos.
Certo dia um grupo de assistentes sociais para países subdesenvolvidos veio em socorro dos moro. Eles perfuraram poços para que os animais pudessem beber, eliminaram as moscas tsé-tsé e estabeleceram um serviço de saúde. Dessa forma, promoveram, em pouco tempo, uma visível melhora nas condições de vida dos nômades.
Vinte anos depois, a situação na terra dos moro estava pior do que em qualquer período anterior. De início, o gado havia se multiplicado em consequência da extinção das moscas e ao cultivo de pastagens irrigadas. Em pouco tempo, porém, os pastos se tornaram insuficientes para as crescentes manadas, o gado esvaziou os poços e arrancou as raízes das gramíneas.
A perfuração de poços mais profundos trouxe alívio temporário – mas esgotou mais rapidamente os lençóis freáticos. E como a mortandade havia sido reduzida graças ao serviço de saúde, cada vez mais moros tinham de enfrentar a escassez constante das reservas de água. Não demorou e a próxima epidemia de fome se fez anunciar – só que muito mais devastadora do que todas as precedentes.
Seria esse um raro caso de uma sequência de decisões falhas? Não, pois cada um de nós toma decisões notoriamente erradas, como aconteceu com os assistentes sociais na terra dos moro. Felizmente, tanto a terra quanto o povo são imaginários, e existem apenas como simulações nos computadores do Instituto de Psicologia Teórica da Universidade de Bamberg, na Alemanha. Há mais de 30 anos, pesquisadores testam aí as competências decisórias de diretores e assessores empresariais, bem como de estudantes, com questões como o “cenário da Morolândia”.
Nesses desafios virtuais, os participantes voluntários devem optar entre uma variedade de possíveis estratégias de ação e ficar olhando como o computador processa as consequências a longo prazo no acelerador de dados. “Frequentemente elas são avassaladoras”, afirma o diretor de pesquisas Dietrich Dörner. A vantagem é que, quando o cenário se torna demasiadamente tenebroso em Bamberg, basta desligar o computador.
Mas nossas decisões são reais, com efeitos concretos e consideráveis danos colaterais. Em comparação com nossos antepassados, que andavam pela vida em estreitas trilhas pré-demarcadas, nós nos deparamos com uma rede grande e confusa de possíveis caminhos. A frase “nada é impossível” quer dizer apenas que temos com frequência cada vez maior de tomar decisões mais e mais abrangentes.
Podemos ir à academia de ginástica ou passar por um exame preventivo de câncer intestinal; fazer um seguro de vida para a velhice, ou, em vez disso, investir em ações; arriscar tudo em uma única cartada, como empreendedores, ou seguir cautelosamente uma carreira no funcionalismo público; selar um compromisso para toda a vida, ou manter todas as opções abertas como solteiros.
Ou até não fazer nada disso e decidir desfrutar o aqui e agora descontraidamente. Mas uma coisa é certa: temos de decidir. E, algum dia, sentiremos as consequências.
Xeque-mate da racionalidade
Lance após lance de raciocínio consciente? Não, enxadristas profissionais são mestres da intuição aprendida. Quase inconscientemente, eles reconhecem até 50 mil posições, o que os ajuda a decidir em frações de segundo. É o caminho régio para a vitória, pois bastam três jogadas para tornar possíveis 9 milhões de variantes
Por isso, psicólogos e pesquisadores que estudam o funcionamento do cérebro se interessam tanto por nossos processos de tomar decisões. Nos últimos anos, eles conseguiram compreender melhor por que funcionamos, e como funcionamos. Nesse processo, eles constataram que existem estratégias que permitem tomar decisões melhores.
O PILOTO AUTOMÁTICO
INTERIOR
Pesquisadores supõem que temos consciência de apenas 0,1% de todo o trabalho executado pelo cérebro. A maneira como tateamos pela vida – sem acidentes – com os restantes 99,9% pode parecer assombrosa. Mas o que surpreende é como as decisões rápidas e intuitivas são, na maioria dos casos, muito melhores do que as resoluções tomadas após cuidadosa avaliação.
É surpreendente, por exemplo, como funciona bem abreviar processos decisivos. Afinal, temos uma enorme experiência nisso. A maioria de nossas 100 mil decisões diárias é tomada automaticamente: comer, dirigir, telefonar (às vezes tudo simultaneamente) são atividades que dominamos sem precisar pensar sobre a próxima garfada, ou a localização exata de nosso local de trabalho.
Nos últimos anos, Gary Klein, psicólogo americano e especialista em Teoria da Decisão, colheu inúmeras provas da subestimada competência de nosso subconsciente.
Klein, Gary. “The recognition-primed decision (RPD) model: Looking back, looking forward.” Naturalistic decision making (1997): 285-292.
Klein, Gary. “Naturalistic decision making.” Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society 50.3 (2008): 456-460.
http://www.ise.ncsu.edu/nsf_itr/794B/papers/Klein_2008_HF_NDM.pdf
Caso digno de nota é o de um capitão do corpo de bombeiros de Cleveland, EUA, certo dia chamado com sua equipe para combater um incêndio em um bangalô. O fogo parecia se espalhar a partir da cozinha. Portanto, os bombeiros arrombaram a porta, puxaram suas mangueiras até a cozinha e jogaram toneladas de água nas chamas. Tudo parecia ser uma ação rotineira, mas o incêndio continuou grassando. Durante alguns segundos, os homens ficaram parados, pasmos. De repente, o capitão berrou: “Saiam todos, já!”. Assim que todos estavam fora da casa, o assoalho implodiu. O foco do incêndio não estava na cozinha, mas no porão, embaixo dela. Alguns instantes mais, o térreo da casa teria despencado em direção às chamas, juntamente com todos os bombeiros.
O que fascinou Klein não foi apenas a dramática salvação dos bombeiros, mas o fato de o capitão, aparentemente, não saber por que agiu daquele modo. “Ele não conseguia se lembrar por que dera a ordem de abandonar a casa”, relata Klein. “Ele achou que foi seu sexto sentido.”
Com base nas entrevistas com ele, Klein conseguiu reconstruir o que deve ter se passado na mente do capitão naquela fração de segundo. Ele notara algo incomum no calor da casa. Ao mesmo tempo, ficou surpreso que as chamas quase não fizessem barulho – o que não combinava com o extremo calor. E as labaredas não reagiram à água. Na verdade, o que o capitão chamou de “sexto sentido” era seu subconsciente que, em milésimos de segundo, reuniu todos os fragmentos de informação e formou um modelo expressivo que o levou a tomar a única decisão correta.
A primeira estratégia para decisões mais bem-sucedidas é simples: siga sua voz interior e, quanto mais alto ela se manifestar, aja rápido! O procedimento não se justifica apenas para bombeiros, mas também para atletas, pilotos e compradores de carros. Está provado, por exemplo, que os golfistas profissionais dão suas melhores tacadas quando não têm tempo de refletir sobre elas.
Enxadristas experientes reconhecem intuitivamente um modelo na disposição dos tabuleiros sem que tenham executado todos os lances possíveis anteriormente.
Pilotos da Força Aérea são submetidos durante muito tempo a experiências artificiais em simuladores – como falha do motor, incêndios e ataques de caças inimigos –, até automatizar os processos físicos e mentais e dominar de olhos fechados qualquer crise imaginável. Em seu livro The decisive moment (O momento decisivo), o escritor científico americano Jonah Lehrer relata o caso de um técnico de radar da Marinha dos EUA, na primeira Guerra do Golfo.
Centenas de marinheiros devem a vida à intuição desse técnico. Ele interpretou uma imagem na tela do radar como um foguete inimigo, embora seu curso fosse praticamente indistinguível daquele dos caças de combate americanos que retornavam à base.
Apesar disso, o sinal do radar provocou nele uma “sensação diferente”. Mais tarde, nem ele conseguiu explicar o que foi aquilo. O ponto decisivo: ele tinha muita experiência.
O perspicaz bombeiro de Cleveland só conseguiu pressentir que havia algo de errado com o fogo porque já debelara incontáveis incêndios, sentindo a fuligem no nariz e escutando o crepitar das chamas.
Pesquisa neurológica
COMO O CÉREBRO DECIDE
Em nosso órgão de raciocínio é possível distinguir, a grosso modo, três instâncias no processo decisório
RACIOCÍNIO CONSCIENTE, a avaliação de prós e contras é, principalmente, uma tarefa do córtex cerebral. Na parte interna do crânio na porção frontal (logo “atrás da testa” localiza-se o lóbulo frontal (1). Como foi demonstrado por experimentos realizados por meio de procedimentos que geram imagens, o lóbulo frontal – especialmente o córtex pré-frontal órbitomedial pertencente a ele (CPFOM – 2) – desempenha um importante papel no controle mental. Mas o hipocampo (3), aquela parte do cérebro, fundamental para a nossa memória, onde são armazenadas as experiências, também influencia decisões conscientes.
AVALIAÇÕES EMOTIVAS são dirigidas por estruturas linfoides subcorticais, como as amígdalas (ou amídalas) – das quais temos uma em cada lobo temporal (4). O chamado sistema de recompensa, com o nucleus accumbens e a área tegmental ventral (TVA, 5 e 6), antecipa a possível recompensa dos esforços – um importante motor de propulsão.
PROCESSOS INCONSCIENTES ocorrem em grande parte no tronco cerebral (ou tronco encefálico) (7) e nos gânglios basais (estes não foram incluídos no gráfico, por se encontrarem em outro plano seccional). Os gânglios basais influenciam ações motoras, como o aprendizado de movimentos, mas também funções executivas, como força de vontade, impulso, espontaneidade ou iniciativa.
Insinuações de processos inconscientes de processamento, reações emocionais e raciocínio consciente sempre agem juntos em nossa vida cotidiana, por isso, a estrita diferenciação de realizações parciais do cérebro é artificial, ou seja, precisar de limitação das áreas envolvidas é ainda impossível
Como é então possível que até compradores inexperientes de carros tomam as melhores decisões quanto menos pensam conscientemente sobre sua escolha?
Coragem significa: fazer
Bebezinhos já reagem diversamente a estímulos de medo. Apenas 25% desse comportamento vem de nascença. A autoconfiança cresce por meio de experiências físicas – como uma estimulante onda de adrenalina. E aumenta através do sucesso, de conselhos e de modelos comportamentais: eu consigo fazer o que meus amigos fazem
Este, pelo menos, é o resultado das pesquisas do psicólogo holandês Ap Dijksterhuis (veja quadroExperimento II). De acordo com sua explicação, a intuição, mesmo sem muito treinamento, sempre é o melhor conselheiro quando há muitos critérios a serem levados em consideração ao mesmo tempo.
Dijksterhuis, Ap, and Loran F. Nordgren. “A theory of unconscious thought.”Perspectives on Psychological science 1.2 (2006): 95-109.
http://pps.sagepub.com/content/1/2/95.short
Portanto, vale a máxima: quanto mais há para avaliar menos se deve pensar sobre o assunto. A descoberta parece paradoxal, mas é explicável por meio dos limites de nossa consciência. Até mesmo aquele que está só cochilando em uma poltrona é bombardeado por 11 milhões de impressões sensoriais por segundo. Contudo, nosso pensamento consciente, que opera a partir do córtex cerebral, é capaz de processar, apenas, o máximo de 40% a 60% disso.
Todo o resto é captado por nosso inconsciente , que reside principalmente no chamado sistema límbico. Esse poderoso piloto automático registra, armazena e avalia quantidades colossais de informações, sem que ao menos percebamos. E ele as classifica, em milionésimos de segundo, em “importantes” ou “desimportantes”.
SENTIMENTOS
SÃO CAPAZES DE JULGAR
O inconsciente faz mais do que isso. Depois da primeira triagem, reavalia as informações e as classifica em “positivas” e “negativas”. Para tanto, vale-se de um critério importante: ele “lembra” se uma experiência passada semelhante gerou alegria e bons sentimentos ou medo e nojo. Por isso, um comprador de carro poderia ser influenciado pela recordação involuntária de momentos felizes, há muito esquecidos, vividos em um passeio da família em um Volkswagen vermelho. Da mesma forma, qualquer sensação de pânico causada por um veloz carro esporte vermelho veloz ocorrida em uma aula de autoescola 20 anos atrás pode pesar na decisão.
Em outras palavras: nosso inconsciente traduz informações em emoções.
Com esse conhecimento, ele transmite, em frações de segundo, sugestões de decisão simples, rápidas e intuitivas. Trata-se de um dispositivo genial e extremamente eficaz, subestimado por muito tempo, cuja linguagem são os sentimentos. “No decorrer da evolução, nosso cérebro tornou-se mestre em tirar conclusões rápidas e úteis a partir de poucas informações”, afirma o psicólogo berlinense Gerd Gigerenzer, que luta há anos por uma reabilitação do subconsciente.
Para o pesquisador, os sentimentos, tradicionalmente condenados como inimigos naturais da boa decisão, nada mais são do que um saber altamente concentrado. Nosso subconsciente passa a vida lutando com a chamada heurística – conjunto de regras básicas, sem as quais sufocaríamos na torrente cotidiana de impressões e informações. O mundo é complexo demais para absorvê-las e, por ser assim, recorremos a um truque simples: não apenas experiências de longa data, mas também acontecimentos emocionais singulares são generalizados. O que já foi vivenciado uma vez é interpretado como generalizadamente válido.
O artifício funciona surpreendentemente bem quase sempre. A heurística nos orientam não apenas na compra de um carro, mas também no flerte, no trânsito – sempre que nosso sistema límbico pode aproveitar experiências passadas comparáveis.
Indecisão no excesso
Quanto mais variada a oferta, mais paralisada fica a razão e mais poderoso o medo de fazer uma compra errada. Então apelamos para a confiança: artigos de marcas agradam a nosso subconsciente
EXPERIMENTO 1
UMA QUESTÃO DE EMBALAGEM
Em nosso órgão de raciocínio é possível distinguir, a grosso modo, três instâncias no processo decisório
PROVAVELMENTE pelo último. Quase todas as pessoas reagem dessa forma, embora a informação afirme exatamente a mesma coisa do ponto de vista do conteúdo – o que muda é a formulação. E é exatamente isso que interessa. A decisão é influenciada pelo modo – positivo ou negativo – como alguma coisa é expressa. Neste caso, os psicólogos falam em Efeito Framing. Pesquisadores do University College, em Londres, examinaram a razão disso em 2006: vinte pessoas tinham de tomar decisões financeiras, enquanto estavam deitadas em um Tomógrafo de Ressonância Magnética (TRM). Este aparelho torna visíveis atividades cerebrais relativas à tomada de decisões.
DE INÍCIO, os voluntários viram um saldo inicial de 50 libras esterlinas. Em seguida, lhes foi mostrada uma de duas possibilidades de decisão (A ou B). Na opção A, eles podiam embolsar imediatamente 20 libras ou participar de um jogo de sorte para arriscar tudo ou nada. Na variante B, eles tinham de escolher entre perder 30 libras e o mesmo jogo de probabilidade de A (veja o gráfico).
Portanto, as chances estavam igualmente divididas tanto em A como em B – após algumas rodadas de jogo, todos os voluntários ganhariam quantias semelhantes de dinheiro. E, como admitiram depois do experimento, os participantes perceberam isto rapidamente. Por isso, na opinião deles, eles tinham escolhido proporcionalmente com a mesma frequência o lucro garantido (formulação A), a perda (B) ou ainda jogar (arriscar a sorte). Mas isto não correspondeu à realidade!
A FORMULAÇÃO “Você ganha” havia feito com que apenas 43 por cento dos participantes se decidissem pelo jogo. Entretanto, quando a formulação era “você perde”, 62 por cento arriscaram a sorte.
O resultado da análise dos dados colhidos pelo TRM foi a seguinte: as amígdalas foram ativadas quando os voluntários escolhiam o lucro garantido ou (na ameaça de perder 30 libras esterlinas) jogar (arriscando a sorte). Quando as pessoas se decidiam por uma perda garantida ou a aposta, em vista da formulação “você ganha 20 libras esterlinas”, não foi possível comprovar nenhuma reação no “centro de medo” do cérebro.
A atividade das amígdalas sinalizou, portanto, uma reação emotiva, que levou os voluntários a embolsar um ganho garantido ou, no caso de uma perda assegurada, apostar. Eles reagiram exatamente como o Efeito Framing faria supor.
OS PESQUISADORES também observaram outros estímulos no cérebro. Quanto menos um voluntário deixava se apanhar pela formulação positiva, maior a atividade do córtex pré-frontal órbitomedial (CPFOM). Embora a atividade das amígdalas fosse relativamente igual em todos, os indivíduos com um modelo de CPFOM mais bem definido foram mais capazes de controlar suas emoções.
também observaram outros estímulos no cérebro. Quanto menos um voluntário deixava se apanhar pela formulação positiva, maior a atividade do córtex pré-frontal órbitomedial (CPFOM). Embora a atividade das amígdalas fosse relativamente igual em todos, os indivíduos com um modelo de CPFOM mais bem definido foram mais capazes de controlar suas emoções.
Risco total ou certeza? Em um experimento sobre decisões financeiras, a opção dos voluntários de se arriscar jogar dependeu da formulação da questão. Como tememos as perdas em especial, a escolha de risco na variante B foi mais frequente
TERMÔMETRO DE CONSELHOS
PARA INICIANTES
É bem verdade, contudo, que até a mais treinada intuição fracassa quando entram novos fatores em jogo. Para os principiantes de golfe, por exemplo, vale a regra contrária à dos profissionais experientes: quanto mais conscientemente eles analisam seus movimentos mais certeiras são suas tacadas.
É bem verdade, contudo, que até a mais treinada intuição fracassa quando entram novos fatores em jogo. Para os principiantes de golfe, por exemplo, vale a regra contrária à dos profissionais experientes: quanto mais conscientemente eles analisam seus movimentos mais certeiras são suas tacadas.
“É como um termômetros de conselhos”, compara o pesquisador alemão de atividades cerebrais Gerhard Roth. O cérebro secciona e compartimentaliza problemas que nosso inconsciente, sozinho, não administraria.
Nesse processo, a propriedade da solução se intensifica quando o pensar percorre um “processo dialético” – exatamente no sentido formulado pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, no século XIX. Em um procedimento desses, contrapõe-se à primeira resposta (a “tese”) outra divergente (a “antítese”), e do resultado de ambas forma-se um valor intermediário (a “síntese”). Em 2009, os psicólogos suíços Stefan Herzog e Ralph Hertwig, da Basileia, publicaram um estudo realizado com 101 estudantes segundo o qual alcançamos “a sabedoria de grupo” por meio de um balanço interior dos prós e contras. Avaliamos as opiniões contrárias e objeções de outras pessoas e assim melhoramos a qualidade de nossas decisões.
O procedimento descrito pelos dois cientistas foi chamado em inglês de “dialectical boostrapping”, em alusão à Lenda do Barão de Münchhausen. Este certa vez afirmou ter se arrastado para fora de um pântano pelas correias de suas próprias botas (correia de bota: em inglês, bootstrap), quando não por seus próprios cabelos. É claro que isso não funciona no plano real, mas no plano imaginário, de acordo com Herzog e Hertwig, é perfeitamente possível galgar sozinho para um nível mais alto através da avaliação de decisões. Contudo, eles admitem que isso raramente ocorre de modo espontâneo; pelo contrário, é um processo que tem de ser aprendido como um método.
Ao lado do aprimoramento da qualidade de julgamento relativa a situações novas (nem sempre totalmente claras), o raciocínio apresenta mais um valor colateral: sentimo-nos bem depois de pensar. A coleta, análise e avaliação de argumentos nos transmitem uma sensação de segurança, mesmo quando os fatos nus e crus não melhoram necessariamente nossa decisão. (Essa é uma necessidade à qual o biliardário setor de pesquisa de mercado deve sua existência.)
Ocupar a mente, de forma consciente, com problemas desempenha um papel importante também na convivência. O psicólogo nova-iorquino Tom Tyler demonstrou que em processos criminais as pessoas que estão do lado de fora julgam a confrontação dos participantes, do processo, com o ato (mais significativa), do que a sentença em si.
AS FRAQUEZAS
DO CONSCIENTE
Infelizmente, existe mais um vínculo entre o dispositivo pensar-decidir: os processos dispendiosos. Embora o cérebro ocupe só 2% a 3% da massa corpórea, ele queima mais de 20% de sua energia. Em tarefas complicadas, o raciocínio gasta até 70% do consumo de calorias – o que pode ser confirmado por qualquer um que já teve um suadouro por causa de sua declaração do imposto de renda.
Para usar tal capacidade de desempenho da maneira mais eficiente possível, o cérebro desenvolveu um método, no decorrer dos milênios, para aliviar a sobrecarga do aparato de raciocínio. Pouquíssimos processos chegam a percorrer todo o caminho do sistema límbico até o córtex cerebral, onde são trabalhados conscientemente e devolvidos ao subconsciente em forma de detalhados modelos de decisão.
Tudo o que não necessita de atenção especial – por exemplo, o caminho até o escritório, que conhecemos de olhos fechados –, o cérebro processa preferencialmente no nível mais baixo, sem nem ao menos acionar o córtex cerebral pensante. Sem esse modo de economizar energia, transpiraríamos ansiosos toda vez que sentássemos ao volante, exatamente como naquela primeira aula da autoescola.
E de nada adianta o raciocínio mais apurado quando os parâmetros decisivos estão incorretos – por exemplo, quando não notamos, avaliamos mal ou simplesmente excluímos fatos importantes. Contudo, muitos estudos provam que somos verdadeiros mestres precisamente nesse quesito. Um erro típico, cometido também pelos assistentes sociais no cenário da Morolândia, é subestimarmos a complexidade e os processos de reação. Imagine que somos um representante comercial e que na próxima viagem devemos visitar clientes em 15 cidades. Antes de partir, queremos estabelecer a rota mais curta, a terminar no primeiro cliente, a partir do qual iniciamos nosso percurso.
Banal? De modo algum. Matemáticos altamente condecorados retorceram suas células nervosas durante décadas sobre o “problema do viajante comercial”, como dizem respeitosamente.
Diante do mero número de 15 localidades de destino, já teríamos de fazer 43 bilhões de avaliações comparativas de possíveis variantes de rotas. Com 18 cidades, já haveria mais de 177 trilhões de opções – e, com cada destino adicional, a complexidade aumenta exponencialmente.
O computador que em uma hora conseguisse calcular as variantes para 30 cidades esquentaria seu disco rígido durante mais 40 dias para estimar o acréscimo de não mais que duas cidades.
Como não somos computadores, facilitamos as coisas e, depois de “pi” (π), viajamos de carona. Em outras palavras: damos voltas inúteis. “Nós ignoramos o fato de que com muita frequência lidamos com sistemas, nos quais nem tudo está ligado a tudo, mas muito está vinculado a muito”, acredita o psicólogo Dietrich Dörner. “E, é claro, isso nos leva permanentemente a dificuldades”.
Rituais contra pecados
Semelhante à confissão dos cristãos, o batismo semanal dos mandeus serve para a purificação depois de decisões erradas – pecaminosas. Muitas religiões deixam pouca liberdade de vida a seus fiéis. Por exemplo, entre os mandeus, monoteístas que vivem no Iraque e no Irã, os casamentos mistos são tabu, e os papéis do homem e da mulher, estritamente prescritos
FUTURO –
O ASSASSINO DE DECISÕES
A situação torna-se imprevisível quando queremos tomar decisões relativas a nosso futuro pessoal. O psicólogo Daniel Gilbert, de Harvard, descreve em seu engraçado e simultaneamente deprimente livroStumbling on Happiness (Tropeçando na felicidade) por que tudo sempre ocorre de modo diferente do que pensamos. O motivo principal: “Temos a tendência de imaginar o futuro parecido com o presente”, afirma Gilbert. “Por isso, em nossa imaginação, o futuro se parece forçosamente com uma versão um tanto distorcida do hoje.”
Mas o futuro não respeita nossas fantasias – e pior: nem nós o fazemos. O indivíduo que no início de sua carreira profissional sonha em se aposentar aos 40 anos em Mallorca, na Espanha, nem sempre leva em conta que, quando metade desse tempo tiver passado, já não estará nem pensando nem sentindo o que hoje pensa e sente.
O MARTÍRIO
DA ESCOLHA
No que diz respeito ao sucesso certeiro de nossas decisões particulares para o futuro, parecemos soldados de infantaria que disparam um canhão cimentado no chão contra alvos de extrema mobilidade – e sempre voltam a admirar a raridade com que atingem o alvo em cheio. Até pessoas tão convictas de suas ações futuras que chegam a selar um compromisso – solene e para toda a vida – com base em uma decisão consciente são obrigadas a se corrigir, cedo ou tarde – 30% dos casamentos hoje terminam em divórcio, embora a maioria das pessoas não precise se casar, tamanha é a gama de estilos de vida disponíveis. Mas isso satisfaz?
Para o psicólogo americano Barry Schwartz, a noção de que quanto mais numerosas forem as possibilidades de escolha maior será o grau de satisfação tem de ser revista em profundidade. “O repertório de escolhas é tão grande que sempre temos a impressão de ter feito alguma coisa errada”, afirma o pesquisador, que leciona na faculdade Swarthmore, no estado da Pensilvânia, EUA. “Mesmo quando se fez uma boa escolha, sempre existe a dúvida se não haveria outra possibilidade melhor. E isso reduz a satisfação.”
Passamos cotidianamente pelo martírio de decidir o que comprar. Por exemplo, muitos supermercados europeus oferecem mais de 10 mil produtos. Os americanos deixam seus clientes confusos com uma avalanche de 40 mil ofertas, mas apenas 150 itens bastariam para satisfazer a maior parte das necessidades diárias. “Quanto mais abrangente for o sortimento maior será o risco de afundar em um poço de falta de autoconfiança”, afirma Schwartz. Em um estudo, o psicólogo comparou a satisfação dos “moderados” (como chamou os consumidores que ficaram satisfeitos com uma escolha boa o bastante) com a dos “maximizadores”. Neste grupo, Schwartz reuniu perfeccionistas, aqueles que, antes da decisão final, primeiro pesquisam em minúcias os folhetos de testes, decifram a impressão minúscula nos rótulos das embalagens e comparam produtos. O pesquisador notou que, embora os “maximizadores” fizessem escolhas objetivamente melhores, de acordo com a relação preço-desempenho do produto, eles ficaram mais infelizes com suas opções do que os “moderados”.
Isso se explica porque um leque desmesurado não só acarreta expectativas mais intensas (frustradas quase sempre) como também um número maior de alternativas, que as pessoas não conseguem definir. Será que minha escolha foi a melhor? Não teria havido outra, mais interessante? Que teria acontecido se eu tivesse tomado uma decisão diferente? Os “maximizadores” do estudo de Schwartz ficaram remoendo esse tipo de pergunta muito tempo depois.
INTUIÇÃO E RAZÃO –
JUNTAS, ELAS SÃO UMA POTÊNCIA
Esses “maximizadores” se sentiriam melhor se respeitassem a estratégia decisória número três e se impusessem um estrito limite de tempo para a avaliação consciente dos prós e contras – independentemente de se tratar de semanas ou de dias. Depois disso, diz uma velha e comprovada regra, o melhor seria dormir uma noite antes de tomar uma decisão preparada com tanto cuidado. Durante esse tempo, nosso subconsciente organizaria os argumentos com toda a calma. Por isso, é comum as boas ideias nascerem na manhã seguinte, em uma atmosfera descontraída – embaixo do chuveiro, por exemplo. O inconsciente revisa automaticamente se os argumentos são compatíveis com nossas experiências, valores e sentimentos. Depois, toma uma decisão lá no fundo do tronco cerebral – uma região muito mais antiga do que o córtex cerebral. “Reúna todas as informações importantes e depois esqueça o assunto durante algum tempo”, aconselha o psicólogo de Amsterdã Ap Dijksterhuis. “Faça alguma outra coisa, deixe que o subconsciente pense – assim você tomará a melhor decisão, sem sombra de dúvida .”
Quanto mais perto mais querido
Cedo na vida optamos por ter amigos parecidos conosco. Essa decisão não leva em consideração apenas a idade, a origem e o temperamento, mas também características físicas. A decisão de ter seu próprio clã é um passo importante no desligamento da casa dos pais
Alguns colegas de Dijksterhuis acreditam que, no fim das contas, nosso subconsciente sempre tem a última palavra. “A decisão que tomamos é sempre emocional”, opina o pesquisador Roth. Segundo ele – é difícil de acreditar –, nem existem decisões puramente racionais; somente considerações racionais.
Quer isso dizer que desempenhamos só aqueles comandos já decididos há muito tempo, lá no fundo de nosso interior? A pergunta é acirradamente discutida entre filósofos e pesquisadores. Mas há antes dela outra questão a esclarecer: o que exatamente queremos dizer com “de livre e espontânea vontade”? Existe por trás da afirmação a noção de que poderíamos tomar decisões independentemente de nossas experiências, motivos e particularidades? Que no fim agimos irracionalmente? Ou que não agimos contra nossas convicções, ou seja, o ser humano “pode fazer o que quiser, mas não pode querer o que quer”, nas palavras do filósofo alemão Arthur Schopenhauer?
Não importa. Uma coisa é certa: nossa noção de livre vontade é útil. Sem ela, argumenta o filósofo americano John R. Searle, não seríamos capazes sequer de nos imaginar. “Todos nossos esforços, nossa constante moralização, nossos sentimentos de culpa, tudo seria fútil e contraproducente, já que nada poderíamos mudar. Tudo que fizéssemos não faria diferença nenhuma”. Por isso, precisamos nos iludir e achar que estamos no comando de nossa vida. Só em casos mais raros descobrimos quem está no comando. A central de comando emocional em nosso tronco cerebral dificilmente se deixa penetrar, não raro nem mesmo por meio de psicoterapia, hipnose ou drogas. Na maioria das vezes, nosso subconsciente permanece com pletamente inatingível. E, é claro, existem alguns que se aproveitam dessa circunstância ou nela se acomodam.
EXPERIMENTO II
RAZÃO VERSUS INTUIÇÃO
Como experimentos laboratoriais revelam o processo humano de decidir, por exemplo, na aquisição de um carro baixo consumo de combustível, ou um veículo da nossa cor preferida? Um porta-malas grande é mais importante do que o espaço para nossas pernas? Os voluntários na pesquisa de Ap Dijksterhuis tiveram que responder a estas perguntas – ou melhor, só a metade dos indivíduos que o psicólogo da Universidade de Amsterdã havia recrutado entre os estudantes. A outra metade devia escolher o melhor carro, sem avaliar os prós e os contras dos diversos modelos. NA PRIMEIRA rodada do teste, os participantes tinham de optar entre quatro marcas imaginárias, que levavam nomes de fantasia asiáticos. Nesta fase só importava considerar quatro características, como desempenho ecológico ou facilidade de partida inicial, que deveriam ser avaliadas como “boa”, ou “ruim”. O “Hatsdun” saiu-se bem em três das quatro categorias. Os modelos “Kaiwa” e “Dasuka” receberam boas avaliações em duas categorias, enquanto o “Nabusi” finalizou o teste com apenas uma característica boa: a luz traseira.
PARA DECIDIR, quarenta voluntários podiam estudar, durante oito segundos, em um computador, cada uma das quatro características, como “o motor do Hatsdun não pega fácil”. As informações eram passadas em ordem aleatória. Em seguida, a metade do grupo tinha de pensar durante quatro minutos sobre qual carro deveria ser escolhido. Os outros participantes sabiam que também teriam de tomar uma decisão, mas tinham de se deixar distrair durante este tempo com palavras cruzadas. Como era de se esperar, o grupo que pode fazer uma avaliação cuidadosa saiu-se melhor: 55 por cento deles identificaram o “Hatsdun” como o veículo com características muito mais positivas. Do segundo grupo, apenas 40 por cento fizeram a escolha certa.
MAS AGORA, Ap Dijksterhuis confrontou outros 40 voluntários, sob as mesmas condições gerais, com doze características, além das avaliações – e, desta vez, os participantes fracassaram. Apenas 25 por cento deles escolheram objetivamente o melhor carro. Em comparação, os voluntários, que decidiram intuitivamente, brilharam: 60 por cento deles acertaram o modelo que realmente reunia o maior número de características favoráveis. Segundo Dijksterhuis, com doze critérios, o raciocínio ficou sobrecarregado. Em contrapartida, o processamento inconsciente de informações seria praticamente ilimitado em uma escala ascendente e, por isso, ele teria apresentado resultados melhores em decisões complexas.
MAPA DA MINA PARA
O CÉREBRO CONSUMIDOR
O alemão Hans-Georg Häusel é magro, bronzeado, e usa um cavanhaque brancos. É um pesquisador “maratonista” – fala sem parar. Enquanto discursa, faz voar pela tela do computador gráficos, linhas cheias de números, imagens de tomografias cerebrais, temperando as frases com termos como “estímulo”, “rebelião” e “dominância”. No suave linguajar cadenciado de sua região natal, Häusel discorre sobre gânglios basais, testosterona e dopamina.
Tudo é muito confuso. Só pouco a pouco a tempestade na tela do computador se acalma e forma um modelo fascinante: uma imagem de nossos sentimentos e processos de decisão.
O psicólogo, de 56 anos, é diretor do “Grupo Nymphenburg”. A organização, na realidade, trata-se de uma espécie de assessoria para fabricantes de marcas. “Ajudamos nossos clientes a entender melhor o consumidor”, explica Häusel. Sua clientela é composta por grandes nomes, como Henkel, Metro e Vodafone. E é para eles que a equipe de 30 assessores, fundada há mais de 30 anos por um grupo de psicólogos, faz uma oferta quase imbatível. “Nós consolidamos suas marcas no consciente de seus clientes”. Na realidade, Häusel e seus colegas visam o subconsciente, e, para isso, primeiro reuniram tudo que os cientistas conseguiram descobrir sobre os motivos que nos levam a agir de determinada maneira. Em uma segunda etapa preparatória, compararam esses resultados com os dados fornecidos pelo maior instituto de pesquisas de mercado da Alemanha, a Nürnberger Gesellschaft für Konsumforschung (Sociedade de Pesquisa de Consumo de Nurembergue), obtidos com base nas decisões reais de 60 mil cidadãos alemães.
A partir desse banco de dados único, o chamado “Grupo de Ninfemburgo” filtrou um modelo de personalidade dos alemães, que Häusel batizou de “mapa límbico”, apoiando-se no sistema límbico, a sede das emoções. Com isso foi possível classificar os alemães em curiosos “hedonistas”, “executores” orientados pelo desempenho, ou “conservadores” cuidadosos. “Em algum lugar deles está cada um de nós, alemães, com sua própria personalidade. E nossa posição revela, com bastante precisão, por que decidimos e como decidimos assim e não assado”, explica Häusel.
SEDUTORES
SECRETOS
Por que um cliente compra? E por que não compra? Os fabricantes de marcas gastam milhões em estudos específicos para fazer essas sondagens. Para eles, modelos como o mapa límbico se assemelham a um “mapa da mina” do labirinto dos cérebros consumidores.
Os colegas de Häusel veem esse modelo com reservas. Segundo eles, ninguém é capaz de informar exatamente por que um cliente compra determinado produto. Nosso cérebro é tão complexo que estudá-lo com os instrumentos atualmente disponíveis equivale a desmontar um relógio de pulso com retroescavadeira. Nem mesmo peritos como Häusel sabem como vamos decidir quando estamos diante de uma prateleira de supermercado. Mas eles podem determinar probabilidades. Por exemplo, Häusel é capaz de dizer, com boa margem de acerto, por que é quase impossível um banco vender um pacote de ações especulativas para os tradicionalistas; por que os conservadores se deixam entusiasmar por produtos de jardinagem; por que as marcas da moda deveriam concentrar seus esforços de marketing nos hedonistas. E sabe principalmente ensinar aos comerciantes como proceder: Häusel os ajuda a adornar o mundo do comércio com armadilhas persuasivas fabricadas sob medida.
Psicólogos da Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha, provaram como é avassaladoramente fácil nos deixarmos influenciar pelos truques mais simples. Para isso, eles só precisaram de um CD-player, de um supermercado disposto a colaborar e de uma clientela desavisada. No experimento apenas um programa variável de música tocava na seção de vinhos do supermercado. Durante alguns dias, música francesa de acordeão; em outros, o ambiente era inundado pelo som de instrumentos de sopro de músicas da Baviera. Resultado: quando ressoavam os instrumentos de sopro, os clientes compravam mais vinhos alemães, como que levados por mãos invisíveis. Mas assim que soavam os toques de acordeão, os consumidores compraram três vezes mais garrafas francesas. Mais tarde, nenhum cliente recordou conscientemente ter sido influenciado pela música – e pior: a maioria nem conseguia se lembrar dela.
A opção de ser contra
Convicções amadurecem principalmente na adolescência. Em defesa delas pode-se até ir às ruas – como os opositores da globalização, durante a cúpula do G-8, na Alemanha. Muitos acontecimentos mundiais e movimentos sociais têm efeito marcante em pessoas entre 15 e 25 anos de idade
Comparativamente, esses “sedutores secretos”, como foram descritos pelo publicitário americano Vance Packard há 50 anos, são simples manipuladores. E ferramenta bruta, pois quem quiser atingir um grande leque de clientes provavelmente terá dificuldades para encontrar músicas que agradem o gosto das massas e, ao mesmo tempo, despertem ímpetos de compra específicos.
Por isso, Häusel e seus colegas se apoiam em uma alavanca muito mais forte: nossa personalidade. Se suas suposições estiverem corretas, então uma grande parcela de nossas predileções e aversões é determinada por aqueles traços de caráter que já se definem nos primeiros anos de vida. São eles que constituem a poderosa voz “em off”, que nos conduz de uma decisão a outra. Para os fabricantes de marcas, se interpretados corretamente eles representam algo como uma procuração plenipotenciária sobre nossa conta bancária.
“É claro que muitos consumidores tomam decisões contrárias a sua natureza”, concede Häusel. “Um tipo ‘executor’, orientado para o desempenho, pode perfeitamente seguir uma carreira no funcionalismo público devido a considerações racionais; e um contador, mais conservador, ser convencido a comprar um Porsche se sua nova e jovem namorada insistir. Mas essas decisões sempre significam nadar contra a correnteza. E isso exige esforço – um esforço que, a longo prazo, aplicaríamos melhor em outro lugar ”. Para nosso subconsciente, seria muito mais vantajoso economizar esforços e optar por coisas conhecidas ao tomar uma decisão. As marcas de produtos nada mais são do que heurística.
A melhor de todas elas funciona como moedas em um fonógrafo, que acionam toda uma orquestra em nosso cérebro. É por isso que as empresas investem bilhões na elaboração desses mecanismos mágicos – o que implica um trabalho duro, laborioso e detalhado, que só poucos gerentes de marcas aguentam de modo consequente. Para Häusel, uma das poucas exceções bem-sucedidas é a marca de café expresso“Nespresso”. “Sua linguagem publicitária, a apresentação da loja, a embalagem das almofadas de café, e até suas características táticas, estão em absoluta consonância.” Nós dizemos: a marca parece consistente. E, para os consumidores, produtos consistentes são convincentes. No nosso nucleus accumbens, o “centro de recompensas” de nosso cérebro, as marcas atraentes provocam, dentre outros efeitos, secreção da substância mensageira dopamina. Em outras palavras: muitos decidem comprar. Mesmo que compremos uma máquina de café luxuosa, que por muitos anos será alimentada com almofadinhas caras de café, uma decisão como essas, basicamente errada do ponto de vista racional, pode mesmo assim ser espetacularmente sábia. “É preciso lembrar que não basta tomar boas decisões, é preciso fazer escolhas com as quais possamos conviver”, frisa o pesquisador Gerhard Roth.
No caso das sérias decisões de vida, contudo, valem outras leis. Se elas forem inaceitáveis para nosso subconsciente, poderão ser não apenas dolorosas, mas também prejudiciais à saúde a longo prazo.
Quem no dia-a-dia luta por ascensão e pela carreira embora seu interior anseie por descontração no sofá ou quem se casou depois de refletir cuidadosamente mas almeja a liberdade total paralisam seu consciente e inconsciente em uma desgastante guerra de trincheira.
“Não existe vida certa no errado”, concluiu o filósofo alemão Theodor W. Adorno. Do mesmo modo, não existem motivos racionalmente “corretos” compatíveis com emoções “erradas”.
O “sim” para toda a vida
Convicções amadurecem principalmente na adolescência. Em defesa delas pode-se até ir às ruas – como os opositores da globalização, durante a cúpula do G-8, na Alemanha. Muitos acontecimentos mundiais e movimentos sociais têm efeito marcante em pessoas entre 15 e 25 anos de idade
“Toda pessoa que toma sempre decisões racionalmente tão corretas que seu subconsciente não consegue administrar adoecerá psiquicamente em algum momento da vida”, explica Roth. “Um dia o estresse se manifestará fisicamente em forma de dor nas costas ou dor de cabeça, e a pessoa começará a correr de um médico para outro. Esses pacientes são responsáveis por uma grande parcela dos custos de saúde, embora não haja nada de errado com eles”, afirma o pesquisador.
ALEGRIA DE DECIDIR –
A MELHOR ESTRATÉGIA
O que falta às pessoas que tomam decisões erradas é a capacidade que o psicólogo Dietrich Dörner denomina “inteligência operacional”. É saber qual decisão está correta em qual situação. “Quando posso confiar cegamente em meu subconsciente? Em que casos, por outro lado, eu deveria avaliar cuidadosamente uma decisão? E por quanto tempo?” No fim, é nessa inteligência operacional que reside a arte das boas decisões.
Em seu laboratório de decisões, Dörner observou com grande frequência uma elaborada capacidade de julgamento entre pessoas de dado grupo profissional.
“Embora administradores experientes em geral se saíssem pior em nossas simulações do que poderíamos esperar de pessoas em cargos decisórios, eles tiveram sempre resultados melhores do que os estudantes, que não dispunham de nenhuma experiência de decisão”, diz o psicólogo. Dörner desconfia que, em parte, tal competência pragmática de decisão poderia ser inata, “na forma de descontração, que faz com que os administradores usem naturalmente o modelo decisório certo”. “Pois é justo essa capacidade ‘que os predestina aos cargos administrativos’”, complementa.
Segundo o psicólogo, grande parte da inteligência operacional pode ser aprendida, até porque somos obrigados a tomar diferentes decisões amiúde, incorrer em erros, aprender, chegar a conclusões novas – e melhores. E quem se decide pela estratégia número quatro, a alegria de decidir, faz a melhor escolha a longo prazo.
Decidir resolutamente é façanha respeitável para uma bola em forma de massa cinzenta de 1 quilo e meio, que pouco se modificou nos últimos milênios. Mas foi com sua ajuda que aprendemos a esculpir ferramentas e a falar.
Organizamos tribos e o airbus. Em outras palavras: conferimos a nosso planeta uma dinâmica estonteante.
PROBLEMAS HIPERCOMPLEXOS
QUE PARALISAM
É justamente essa circunstância estonteante que poderia nos custar a cabeça. Embora nosso cérebro reaja de modo magistral para evitar ameaças iminentes como inimigos brandindo pedaços de pau, ou afiados dentes esfomeados de tigres de sabre, ele fracassa fragorosamente ao avaliar riscos distantes. Tal incapacidade é frustrante para os participantes do cenário da “Morolândia”; é irritante quando se trata de apontar a conexão mais curta entre 15 cidades; é dolorosa quando prometemos casamento num primeiro rompante de paixão a uma pessoa mal-amada; e, a longo prazo, catastrófica quando mexe com os alicerces da vida.
Em ataques diretos, como de um terrorista, “reagimos com toda a brutalidade e determinação, exatamente como nossos antepassados teriam feito”, lembra o psicólogo Daniel Gilbert, de Harvard. Mas que o aquecimento global não tente nos matar – o que é lamentável, pois “se a mudança climática fosse uma arma apontada para nós por um ditador sanguinário travaríamos guerra total contra ele”.
Porém, as mudanças climáticas nos confrontam em geral na forma de vagas previsões científicas, cheias de elementos conjuntivos que dizem respeito a todo o globo terrestre em algum ponto distante do futuro – uma complexidade que nos sobrecarrega.
E mesmo que nos aprofundássemos nesse temas, vale lembrar que “estatísticas e relatórios não penetram no cérebro através de portais emocionais”, explica Gilbert. Eles deixam os mecanismos emocionais intactos – e nosso subconsciente traduz a noção de “frieza emocional” automaticamente como “desimportante”.
E como é assim mesmo, tomamos a mais arriscada de todas as decisões – não fazer nada. É justamente em decisões essenciais que nossa inteligência operacional falha – o que, do ponto de vista da competência decisória, é avassalador. Mas aqui vai a boa notícia: o modo como tratamos essa informação requer tomar uma decisão.
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O redator de GEO Harald Willenbrock, 40, se avalia como um “atuante hedonista”. Após suas entrevistas com pesquisadores do cérebro humano, ele agora sabe por que certas marcas exercem atração absolutamente irresistível sobre ele.
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