Cobra, Rubem Q. – Maturidade mental e maturidade pessoal. COBRA PAGES: www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 2008.
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A palavra “maturidade” é um substantivo abstrato, que nomeia uma condição de aptidão para um fim. Uma coisa que tem essa condição está madura, pronta.
No entanto, embora seja possível estabelecer parâmetros para a maturidade nas coisas, quando se trata da maturidade pessoal integral do ser humano, determiná-la é impossível. O homem ainda é um mistério para si próprio e então, como estabelecer em termos absolutos o que seria a sua maturidade?
Por isso deixo de lado o rigor nesta questão, que não está ao meu alcance atingir, para abordá-la apenas quanto a alguns aspectos práticos – que me parecem de muita utilidade examinar –, relativos a uma “maturidade pessoal admirável”, cujo grau máximo seria a inexistência de traços reprováveis de caráter. Nesse grau, a maturidade pessoal é também “aprazível”, porque será sempre um prazer íntimo para a pessoa cultivá-la, e uma alegria visível receber o reconhecimento pelos seus frutos.
Alcançar a maturidade pessoal é um dever natural que o homem tem para se completar, naquilo que foi deixado ao seu arbítrio realizar para finalizar o seu projeto humano. Um dever como este não pertence à Moral, mas a uma instância superior, a Ética.
Chega-se a um grau maior de maturidade pessoal pela educação que desperta a vontade de ser digno da condição humana, a qual se define – em meu entender –, pela consciência plena, pela racionalidade, pela sociabilidade, pela liberdade, e pela pureza e autenticidade dos sentimentos.
A opinião comum possivelmente será de que uma pessoa madura não mente, não comete qualquer falta anti-social; sabe sintetizar com inteligência o seu pensamento, tem opiniões que conciliam vários aspectos de uma questão; não é loquaz, não faz críticas violentas nem estabelece polêmicas; argumenta com serenidade e nunca está ociosa mas faz as coisas em tempo, com interesse e sem alarde; sabe comandar sem desrespeitar os subordinados; é amiga das pessoas de modo sincero e honra os vínculos estabelecidos com elas. Torna-se por isso alguém de quem todos falam bem e que se gabam de conhecer, e nunca está isolada. Ela induz nos outros o desejo de imitá-la, tanto nos seus modos, como na sua sensatez e objetividade. Tem um temperamento amável, como se fosse feliz por ser do modo que é, e seu agir maduro uma forma de prazer.
Os países em geral conheceram paz e progresso sob o governo de líderes inteligentes e democráticos, com todas as características de pessoas maduras. Ao contrário, líderes imaturos que se projetaram e afetaram o mundo com suas ideologias utópicas deixaram somente ruínas e desgraças ao final de sua aventura.
Algumas características opostas à maturidade tipificam a pessoa problemática e imatura.
Parece ser um traço comum aos tipos imaturos a pressa e a inconseqüência no que fazem. . Não aceitam alternativas, opções, soluções em que não levem vantagem. Mentem para fugir a responsabilidades. As idéias que têm lhes infundem uma autoconfiança e uma audácia que agravam seu desajustamento social. Ao volante são motoristas provocadores e atrevidos. O Dicionário do Aurélio dá como sinônimo de imaturo, a palavra “aloprado”. Devemos os conflitos na família, na sociedade e no mundo à imaturidades pessoal dos pais, das autoridades e dos líderes, dos viciados, e de cada figura da galeria de ditadores sanguinários e ideólogos fanáticos da história da humanidade.
O prazer de auto-estima do imaturo está solidamente alicerçado no seu poder político, na liderança do seu grupo ou no comando de sua gang. Já aquele sem essas posições de poder, o indivíduo comum, busca formas de superar sua inferioridade na forma de uma pequena guerrilha anti-social ou anti-familiar, pondo em prática um certoscript de vida e certos jogos de provocação; fogem da depressão, vitimando os que com ele, ou ela, convivem. Os livros de Eric Berne e Claude Steiner, nos quais esses autores divulgaram os fundamentos da Análise Transacional, são pródigos em exemplos desses papeis em que o imaturo se faz de vítima ou é o algoz.
A “maturidade pessoal” de que falo nesta página não é o mesmo que “maturidade mental”. Esta última (a expressão entrou em desuso mas prefiro utilizá-la por ter sido a expressão original nas medições do quociente de inteligência) é a medida do grau de desenvolvimento da inteligência do indivíduo, o seu QI – Quociente de Inteligência. Na pedagogia, a avaliação da maturidade mental permite reunir alunos de maior capacidade de aprendizado e lhes ministrar um ensino mais avançado, e na Psicologia Aplicada facilita selecionar os mais aptos para uma função específica. Como para toda compreensão é necessário um mínimo de maturidade mental, a maturidade pessoal estará condicionada à prévia existência de um certo nível mínimo dessa outra maturidade.
A medida do QI foi inicialmente o quociente entre a idade mental do indivíduo – determinada através de testes psicológicos –, e sua idade de vida, o resultado multiplicado por 100. Uma criança precoce, que tivesse 8 anos mas com desempenho no teste próprio da idade de 10 anos, teria o QI de (10/8 x 100) 125. Porém, esse cálculo, que era muito bom para revelar crianças bem dotadas, não se prestava para os adultos porque, a certa altura, a idade de vida naturalmente superava a idade mental, fazendo o QI baixar. Este problema levou a Psicometria a adotar, por volta do ano de 1940, um método matemático de uso comum na Estatística: a determinação das Medidas de Posição ditas “Separatrizes”, entre elas o Cêntil (ou Percentil, “p”).
Neste cálculo o aumento gradual de dificuldade das questões do teste guarda correspondência com o aumento do valor de 1 a 100 do percentil. O percentil médio de 50 corresponde ao ponto de dificuldade média que o indivíduo comum pode solucionar no teste. A este ponto médio é atribuído o QI 100. Quem alcança no teste 65p (15p acima da média 50) terá 115 de QI; 80p, QI 130; 95p, QI 145, etc. O que se sair mal no teste, com uma avaliação correspondente a 35p, por exemplo, estará 15p abaixo da média de 50p e terá QI 85; se estiver 30p abaixo, terá QI 70.
É curioso o fato de que o teste é validado pelos seus próprios resultados: ele só terá valor se, na sua aplicação a um grande grupo, a maioria das pessoas (em torno de 70%) de fato obtêm uma avaliação média de QI 100 ou próxima dela para mais ou para menos (entre QI 85 e QI 115). É necessário também que a distribuição das avaliações caiam em percentuais iguais, de um lado e de outro da mediana. Adotando-se um intervalo de 15 percentiis, por exemplo: 1% das avaliações no primeiro e no último intervalo; 2% no segundo e no penúltimo; 14% no terceiro e no antepenúltimo; 33% no intervalo à esquerda da mediana e 33% no intervalo à direita. Resultados assim dão uma curva assintótica regular em formato de sino (representa a distribuição gaussiana ou normal dos dados) em um gráfico cartesiano.
Outra mudança ocorreu também em relação às questões antes mais simples – levando-se em conta a rapidez das respostas –, que modernamente são mais críticas, envolvendo relações de maior complexidade, possibilitando medir com mais confiabilidade os QIs muito acima de 130 em crianças e adultos. É de se esperar que, com o enorme progresso da neurologia nas últimas décadas, brevemente os testes baseados em questionários serão substituídos por medidas eletrônicas diretas que avaliem a capacidade associativa do cérebro por meio de computadores.
Avaliação da maturidade pessoal
Não mais falando de maturidade mental e sim de maturidade pessoal, esta pode ser avaliada a partir de testes preparados pelo mesmo método de percentis. Não creio que seja uma tarefa exclusivamente para o psicólogo testar a maturidade pessoal, porque ela se relaciona a um dever ético, como dito acima, e não é meramente o evoluir de um sistema fisiológico e das aptidões inerentes a esse sistema, como é o caso da maturidade mental. Os quesitos de um teste de avaliação da maturidade pessoal serão, obviamente de outra natureza, procurando somar resultados quanto à Ética e à interação social do indivíduo.
Algumas pessoas diriam talvez que a maturidade é “de família”, mas ficariam na dúvida ao se lembrarem de que em famílias altamente conceituadas é comum haver pessoas imaturas. Outras poderiam dizer que “o estudo” é que proporciona maturidade, e que um mestre ou doutor seria uma pessoa madura, mas logo haveriam de se lembrar de pessoas com grande preparo, mas que se mostraram imaturas quando atuaram fora de sua área de conhecimento. Outras ainda poderiam dizer que a maturidade vem da “moral religiosa”, e que um bom católico, ou protestante, será um indivíduo maduro. Porém aqui também se lembrariam dos muitos casos de pastores e padres pedófilos, que elas não poderiam contar como donos de uma maturidade pessoal.
Um professor da Escola de Medicina dirá que o médico tem maturidade profissional quando acrescenta ao seu preparo acadêmico uma certa bagagem de experiência clínica. Porém casos como este, na verdade, não representam maturidade pessoal e sim maturidades parciais, específicas, em relação a objetos específicos e, mesmo se reunidas e somadas, elas não significariam maturidade pessoal. Nessas várias modalidades de maturidade pessoal– a profissional, a religiosa, emocional, etc. –, a psicologia do indivíduo não foi trabalhada para a maturidade pessoal completa, mas tão somente em um certo campo. Haverá sempre o risco de que um aspecto não testado do seu caráter se mostre surpreendentemente fraco em um momento crucial. No entanto, esta maturidade apenas específica é a que move o mundo. Afinal, o mundo deve suas mazelas, mas principalmente o seu progresso, a indivíduos que são bons em alguma coisa, e não à maturidade pessoal deles.
No caso da maturidade mental, por exemplo, a qual se poderia dizer que tem vinculação genética, ela é fundamental ao desenvolvimento de todos os elementos envolvidos na maturidade pessoal, porém não terá valor em si mesma, fora desse valor de fundamentação.
De acordo com Melão Jr.(*) o QI médio do brasileiro é cerca de 87. O QI médio mundial – incluída a África – é 100. Aceitos esses números, essa pontuação baixa – que permite um afastamento negativo da média de pelo menos dez – colocará vários milhões de brasileiros no limite da síndrome de Down.
Fala-se também de maturidade social de uma comunidade, maturidade política do povo, e não apenas de pessoas. Um sociólogo liberal dirá que uma comunidade chega à maturidade social quando oferece oportunidades iguais para todos, as regras de convivência são inteligentes e obedecidas livremente, e ela se notabiliza pela produção material e cultural de seus cidadãos. Um sociólogo socialista dirá que o indivíduo temmaturidade social quando renuncia à sua individualidade e obedece pacificamente às determinações do Estado ditadas para o bem de todos.
Imaturidade residual institucional
Uma Instituição que por décadas, ou até séculos, teve em seus quadros uma sucessão de pessoas inteligentes, porém imaturas, com certeza terá resíduos da imaturidade de dirigentes passados incorporados, no decorrer do tempo, ao seu regimento, à sua práxis, e à mentalidade de seus funcionários. Essa imaturidade residual poderá fazer com que o Judiciário deixe de fazer justiça, as câmaras somente legislem em causa própria, as agências de controle não controlem, o Senado se transforme em pura vergonha para o País, e a República, em cabide de empregos. Um quadro assim ainda se vê instalado em vários países do mundo.
Uma pessoa madura, pela sua prudência, ao ingressar em uma instituição assim corrompida, não cobiçou a função pelo que esperasse lucrar ilicitamente no exercício dela, mas se calará, se não tiver posição de poder para fiscalizar e punir. No entanto, fará o que estiver ao seu alcance fazer pelo enobrecimento de sua função.
Buscando a maturidade
Nas escolas para deficientes aplicam-se técnicas para melhorar o índice da maturidade mental. Foram criadas por cientistas famosos como, Pestalozzi na, na Suíça (1746-1827), Claparède (1873-1940), Edouard Seguin (1812-1880) e Binet (1857-1911), na França, e Montessori, na Itália (1870-1952), entre outros. Com essas técnicas, na maioria dos casos algum progresso sempre é obtido. Porém, nesta página, nossa preocupação é com amaturidade pessoal e esta, para ser desenvolvida, requer que a própria pessoa deseje desenvolvê-la em suas quatro facetas: a sociabilidade, a racionalidade, a sentimentalidade e a liberdade (*).
Sociabilidade. Imaginemos um matemático respeitado pela sua inteligência e conhecimentos, e que tem grande sensibilidade para a música. Ele tem amigos que visita ou recebe em casa, e faz contribuições de caridade. Porém, sua sociabilidade não está inteiramente madura, porque ele tem medo de falar em publico, ainda que diante de pequeno numero de pessoas. Nele, as três facetas, a da racionalidade, a da liberdade e a da sentimentalidade são bem desenvolvidas, mas sua sociabilidade não atingiu igual desenvolvimento. Sua dificuldade de comunicação pode ter causas inconscientes, que um psicólogo poderá descobrir, ou talvez baste que aprenda técnicas de falar em público, para sanar o problema e assim completar sua maturidade pessoal.
Racionalidade. A própria racionalidade pode ficar sufocada por maus hábitos de raciocínio. A falta de discernimento é a causa das argumentações desencontradas, em discussões infindáveis. Um dos interlocutores responde ao que ele pensa que o outro está pensando, e não ao que o outro diz. Ou faz conclusões lógicas a partir de premissas que não são verdadeiras. Quando a pessoa cultiva vícios de raciocínio, distorce seus argumentos se ela sente que está perdendo terreno no debate — “Você não me compreendeu; não foi isso que eu disse!”. Desse de modo, a discussão nunca é linear e objetiva mas cheia de desvios que exacerbam os ânimos. Outro vício é o do excesso de argumentação, das pessoas que prolongam análises de uma questão, parecendo nunca estarem satisfeitas com suas próprias razões
Se a pessoa atentar para a grande variedade de causas e motivos que podem existir para um dado efeito, estará combatendo o principal problema da imaturidade: a “visão estreita”, que conduz à teimosia, à intolerância, ao autoritarismo irracional e a outros males da falta de maturidade pessoal. Uma conversação conduzida com modos educados permite ouvir e compreender o pensamento dos outros e lhes responder com objetividade e consideração..
Sentimentalidade. A imaturidade da sentimentalidade é corrigida com a ajuda de um psicólogo, quando o indivíduo não divisa meios de contornar ele próprio – “conversando consigo mesmo” –, esse problema. Algumas pessoas trazem da infância um modo de reagir com uma raiva desproporcional a qualquer fato que lhes desagrade. Ficam furiosas em situações nas quais poderiam apenas protestar desagrado ao indivíduo que as molesta. Certamente uma raiva pode chegar a ser assassina, principalmente quando originada do ciúme, ou de ofensas pessoais sofridas. Porém a pessoa que é bem educada, sabe protestar com firmeza, sem resvalar para um revide descontrolado, com lágrimas, violência ou agressão ao agressor, e recorrem à Justiça quando uma reparação pública é cabível.. Sem dúvida, não importa o quanto difícil possa ser exercitar-se para alcançar esse equilíbrio, ele é que distingue o indivíduo que tem uma maturidade pessoal elogiável.
Há certamente os casos em que a agressividade tem causas em doenças mentais, o que foge à questão da maturidade pessoal.
Liberdade. Está igualmente sufocada a Liberdade, quando o indivíduo está prisioneiro de crenças irracionais, ou tolhido pelo perfeccionismo, ou se impõe uma disciplina excessiva, ou ainda por que fixou um comportamento sistemático que o impede de explorar sua liberdade. Pode talvez achar mais cômodo e seguro obedecer a alguém, ou prender-se à segurança de uma posição medíocre por preguiça ou por medo, e assim deixa de viver plenamente sua Liberdade como pessoa efetivamente madura.
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O que distingue a falta de maturidade pessoal da falta de maturidade mental é que, no caso desta última, a pessoa testa o limite de suas possibilidades; enquanto na primeira – a imaturidade pessoal –, o indivíduo se retrai e se distancia de suas autênticas possibilidades.
(*) NOTA: Sigo o esquema de “primalidades” que criei em meu livro Filosofia do Espírito, de 1997. Poderá não ser, na opinião do leitor, um esquema correto, porém ele me permite mostrar a construção da maturidade pessoal como um processo de várias facetas que, inclusive, se aplicará a algum outro esquema de predicados do ser humano que o leitor possa eventualmente ter em mente.
* Veja o comentário citado em http://www.sigmasociety.com/artigos/introducao_qi.pdf, ano 2008.
Rubem Queiroz Cobra
R.Q.Cobra
Doutor em Geologia
e bacharel em Filosofia.