Aprendizes e Adversários


Comentário

“Sobre a justiça de Deus e a revelação, pois, repetimos sempre: Um bom pai deixa sempre aos seus filhos uma porta aberta ao arrependimento. Não lhe diz a razão que seria injusto privar para sempre, da felicidade eterna, todos aqueles cujo progresso não dependeu deles mesmos? Não são todos os homens filhos de Deus? Somente entre os egoístas se encontram a iniqüidade, o ódio implacável e os castigos sem perdão.

Todos os Espíritos tendem à perfeição e Deus lhes fornece os meios pelas provas da vida corpórea; mas, em sua justiça, lhes faculta realizar, em novas existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.

Não estaria de acordo com a eqüidade, nem com a bondade de Deus, castigar para sempre aqueles que encontraram obstáculos ao seu progresso, independentemente da sua vontade e pelo meio mesmo onde foram colocados. Se o destino do homem está irrevogavelmente fixado após a sua morte, Deus não teria pesado as ações de todos na mesma balança, e não os teria tratado com imparcialidade.”

(Psicografado – O Livro dos Espíritos, Allan Kardec)
Título do original: LE LIVRE DES ESPRITS
Edição U.S.K.B. (1954)


Aprendizes e adversários

Jonathan, Jessé e Eliakim, funcionários do Templo de Jerusalém, passando por Cafarnaum, procuraram Jesus no singelo domicílio de Simão Pedro.

Recebidos pelo Senhor, entregaram-se, de imediato, à conversação.

– Mestre – disse o primeiro -, soubemos que a tua palavra traz ao mundo as Boas Novas do Reino de Deus e, entusiasmados com as tuas concepções, hipotecamos ao teu ministério o nosso aplauso irrestrito. Aspiramos, Senhor, à posição de discípulos teus… Não obstante as obrigações que nos prendem ao Sagrado Tabernáculo de Israel, anelamos servir-te, aceitando-te as ideias e lições, com as quais seremos colunas de tua causa na cidade eleita do Povo Escolhido… Contudo, antes de solenizar nossos votos, desejamos ouvir-te quanto à conduta que nos compete à frente dos inimigos…

– Messias, somos hostilizados por terríveis desafetos, no Santuário – exclamou o segundo -, e, extasiados com os teus ensinamentos, estimaríamos acolher-te a orientação.

– Filho de Deus – pediu o terceiro -, ensina-nos como agir…

Jesus meditou alguns instantes, e respondeu:

– Primeiramente, é justo considerar nossos adversários como instrutores. O inimigo vê junto de nós a sombra que o amigo não deseja ver e pode ajudar-nos a fazer mais luz no caminho que nos é próprio. Cabe-nos, desse modo, tolerar-lhe as admoestações, com nobreza e serenidade, tal qual o ferro, que após sofrer, pacientemente, o calor da forja, ainda suporta os golpes do malho com dignidade humilde, a fim de se adaptar à utilidade e à beleza.

Os visitantes entreolharam-se, perplexos, e Jonathan retomou a palavra, perguntando:

– Senhor, e se somos injuriados?

– Adotemos o perdão e o silêncio – disse Jesus. – Muita gente que insulta é vítima de perturbação e enfermidade.

– E se formos perseguidos? – Indagou Jessé.

– Utilizemos a oração em favor daqueles que nos afligem, para que não venhamos a cair no escuro nível da ignorância a que se acolhem.

– Mestre, e se nos baterem, esmurrarem? – interrogou Eliakim. – Que fazer se a violência nos avilta e confunde?

– Ainda assim – esclareceu o brando interpelado -, a paz íntima deve ser o nosso asilo e o amor fraterno a nossa atitude, porquanto, quem procura seviciar o próximo e dilacerá-lo está louco e merece compaixão.

– Senhor – insistiu Jonathan -, que resposta oferecer, então, à maledicência, à calúnia e à perversidade?

O Cristo sorriu e precisou:

– O maledicente guarda consigo o infortúnio de descer à condição do verme que se alimenta com o lixo do mundo, o caluniador traz no coração largas doses de fel e veneno que lhe flagelam a vida, e o perverso tem a infelicidade de cair nas armadilhas que tece para os outros. O perdão é a única resposta que merecem, porque são bastante desditosos por si mesmos.

– E que reação assumir perante os que perseguem? – inquiriu Jessé, preocupado.

– Quem persegue os semelhantes tem o espírito em densas trevas e mais se assemelha ao cego desesperado que investe contra os fantasmas da própria imaginação, arrojando-se ao fosso do sofrimento. Por esse motivo, o socorro espiritual é o melhor remédio para os que nos atormentam…

– E que punição reservar aos que nos ferem o corpo, assaltando-nos o brio? – perguntou Eliakim, espantando. – Refiro-me àqueles que nos vergastam a face e fazem sangrar o peito…

– Quem golpeia pela espada, pela espada será golpeado também, até que reine o Amor Puro na Terra – explicou o Mestre, sem pestanejar. – Quem se rende às sugestões do crime é um doente perigoso que devemos corrigir com a reclusão e com o tratamento indispensável. O sangue não apaga o sangue e o mal não retifica o mal…

E, espraiando o olhar doce do lúcido pelos circunstantes, continuou:

– É imperioso saibamos amar e educar os semelhantes com a força de nossas convicções e conhecimentos, a fim de que o Reino de Deus se estenda no mundo… As Boas Novas de Salvação esperam que o santo ampare o pecador, que o são ajude ao enfermo, que a vítima auxilie o verdugo… Para isso, é imprescindível que o perdão incondicional, com o olvido de todas as ofensas, assegure a paz e a renovação de tudo…

Nesse ínterim, uma criança doente chorou em alta voz num aposento contíguo.

O Mestre pediu alguns instantes de espera e saiu para socorrê-la, mas, ao regressar, debalde buscou a presença dos aprendizes fervorosos e entusiastas.

Na sala modesta de Pedro não havia ninguém.

(Contos Desta e Doutra Vida – Capítulo 4, Página 23.
Francisco Cândido Xavier, 1964 – Federação Espírita Brasileira)

Vincent Liopard. is a BIUCS Project.