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Uma Breve História do Tempo
Em nosso cotidiano não entendemos quase nada do mundo. Pouco pensamos no mecanismo que gera a luz do Sol e possibilita a vida; na gravidade, que nos cola a uma Terra que, de outra forma, nos lançaria em rotação pelo espaço; ou nos átomos de que somos feitos e de cuja estabilidade dependemos fundamentalmente. Com exceção das crianças (que não sabem o suficiente para não fazer senão perguntas importantes), poucos de nós gastamos muito tempo considerando por que a natureza é do jeito que é; de onde surgiu o cosmo, ou se ele sempre existiu; se o tempo algum dia voltará atrás, fazendo os efeitos antecederem as causas; ou ainda se existem limites máximos para o conhecimento humano. Há até mesmo crianças - conheci algumas delas - que querem saber com o que se parece um buraco negro; qual é a menor porção da matéria; porque nos lembramos do passado e não do futuro; como se explica, se houve um caos primordial, que haja ordem agora, pelo menos aparentemente; e por que existe um universo.
Em nossa sociedade não é incomum que pais e professores respondam à maioria destas perguntas com um dar de ombros, ou apelando para conceitos religiosos vagamente relembrados. Alguns não se satisfazem com este tipo de atitudes, porque elas expõem visceralmente as limitações da compreensão humana.
Grande parte da filosofia e da ciência foi impelida por estes questionamentos. Um número crescente de adultos começa a ousar formular perguntas deste gênero e ocasionalmente recebe respostas surpreendentes. Eqüidistantes dos átomos e das estrelas, expandimos nosso horizonte exploratório para alcançar o conhecimento tanto dos fenômenos menores quanto dos maiores.
Carl Sagan Cornell University Ithaca, Nova York
Para falar sobre a natureza do universo e discutir questões tais como se ele tem um começo ou um fim, é preciso ter clareza do que é uma teoria científica. Numa visão mais simplista, a teoria é apenas um modelo do universo, ou uma parte restrita de seu todo; um conjunto de regras que referem quantidades do modelo a observações que possamos fazer. Ela existe apenas em nosso raciocínio e não apresenta qualquer outra realidade (seja lá o que isso signifique). Uma teoria é considerada boa quando satisfaz dois requisitos: descrever com precisão uma grande categoria de observações, com base num modelo que contenha apenas previsões definidas quanto aos resultados de futuras observações. Por exemplo, a teoria de Aristóteles de que tudo foi originado a partir dos quatro elementos, terra, ar, fogo e água, era suficientemente simples para qualificar, porém não fazia qualquer previsão definida. Por outro lado, a teoria da gravidade de Newton se baseou num modelo ainda mais simples, segundo o qual os corpos se atraem com força proporcional a uma quantidade chamada massa, e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. Previa, porém, os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas, com um elevado grau de precisão.
O objetivo eventual da ciência é promover uma teoria única que descreva todo o universo. Entretanto, a abordagem que a maioria dos cientistas segue atualmente é separar o problema em duas partes. Primeiro existem as leis que explicam as mudanças do universo ao longo do tempo. (Se soubermos como o universo se comporta em qualquer instante dado, estas leis físicas nos dirão como ele será em qualquer instante posterior.) Em segundo lugar está a questão do estado inicial do universo. Algumas pessoas acreditam que a ciência deveria se concentrar apenas na primeira parte: encaram a questão da situação inicial como assunto para a metafísica ou para a religião. Diriam que Deus, sendo onipotente, poderia ter começado o universo conforme quisesse. Talvez seja assim, mas neste caso ele também poderia tê-lo feito desenvolver-se de maneira completamente arbitrária. Ainda mais: parece que escolheu fazê-lo evoluir de maneira bastante regular, de acordo com certas leis. É, então, igualmente razoável supor que também existam leis governando o estado inicial. (*)
O princípio da incerteza
O sucesso das teorias científicas, particularmente a da gravidade de Newton, levou um cientista francês, o marquês de Laplace, no início do século XIX, a argumentar que o universo era absolutamente determinístico. Laplace sugeriu que devia haver um conjunto de leis que científicas que permitiriam prever tudo que acontecesse no universo, bastando para tanto que se soubesse o estado completo do universo num determinado momento. Por exemplo, se conhecêssemos as posições e velocidades do Sol e dos planetas num tempo x, poder-se-ia, então, usar as leis de Newton para calcular o estado do Sistema Solar em qualquer outro momento. O determinismo parece bastante óbvio neste caso, mas Laplace foi além, ao assumir que existem leis similares governando tudo mais, inclusive o comportamento humano.
A doutrina do determinismo científico foi fortemente rejeitada por quem julgava que ela infringia a liberdade divina de interferência no mundo; permaneceu entretanto a hipótese padrão da ciência até os primeiros anos deste século. Uma das primeiras indicações de que esta crença deveria ser abandonada apareceu quando os cálculos dos cientistas ingleses Lord Rayleigh e Sir James Jeans sugeriram que um objeto aquecido, ou um corpo como uma estrela, deve irradiar energia numa razão infinita. De acordo com as leis em que se acreditava na época, um corpo aquecido deve emitir ondas eletromagnéticas (como as ondas de rádio, luz visível ou raios X) igualmente em todas as freqüências. Deve, por exemplo, irradiar a mesma quantidade de energia em ondas com freqüências entre um e dois trilhões de ondas por segundo, como em ondas com freqüências entre dois e três trilhões de ondas por segundo. Mas, desde que o número de ondas por segundo seja ilimitado, a energia total irradiada será infinita.
A fim de evitar esse resultado obviamente ridículo, o cientista alemão Max Planck sugeriu, em 1900, que a luz, os raios X e outras ondas não pudessem ser emitidos a uma razão arbitrária, mas apenas em determinadas quantidades que chamou de quanta. Cada quantum teria uma certa cota de energia, tanto maior quanto mais alta a freqüência das ondas; assim, a uma freqüência suficientemente alta, a emissão de um único quantum exigiria mais energia do que a disponível. Portanto, a radiação em altas freqüências seria reduzida e, então, a razão de perda de energia de um corpo seria finita.
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Provou-se que é muito difícil descobrir uma teoria que descreva todo o universo. Por isso divide-se o problema em diversas partes e inventam-se inúmeras teorias parciais. Cada uma delas descreve e prevê um número limitado de categorias de observação, relegando os efeitos de outras quantidades, ou os representando por conjuntos simples de números. Pode ser que esta abordagem seja completamente errada. Se tudo no universo, de maneira fundamental, depende de todo o resto, talvez seja impossível atingir uma solução plena através da investigação das partes isoladas do problema. Ainda assim, foi esta certamente a forma com que se fez progressos no passado. O exemplo clássico é novamente a teoria da gravidade de Newton, que afirma que a força gravitacional entre dois corpos depende apenas de um número associado a cada corpo, sua massa, mas é, por outro lado, independente da matéria de que eles sejam feitos. Não é preciso, portanto, haver uma teoria da estrutura e constituição do Sol e dos planetas para se calcular suas órbitas.
Entretanto, se descobrirmos de fato uma teoria completa, ela deverá, ao longo do tempo, ser compreendida, grosso modo, por todos e não apenas por alguns poucos cientistas. Então devemos todos, filósofos, cientistas, e mesmo leigos, ser capazes de fazer parte das discussões sobre a questão de por que nós e o universo existimos. Se encontrarmos a resposta para isto teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus.
(Uma Breve História do Tempo - Stephen W. Hawking, Editora Rocco)
Título do original: A Brief History of the Time: From the Big Bang to Black Holes, 1988.
O universo é uma grande equação onde somos o resultado. Temos apenas algumas incógnitas dessa equação.
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